Luís Carvalho: "Nunca houve tantos jovens músicos portugueses a ganhar concursos nacionais e internacionais"


Nome: Luís Filipe Leal de Carvalho

Disco preferido:
Tenho gostos muito ecléticos, e não posso dizer que tenho um disco preferido. Dependendo do momento e da disposição ouço, obviamente, muita música erudita, principalmente orquestral, jazz e até algum pop, se bem que neste último sou um pouco mais selectivo, já que circula muito ruído que se autodenomina “pop song”, que não é mais do que música requentada de música requentada, insistindo em modelos artísticos esgotados ad nauseam.

Escritor ou livro preferido:
Não consigo dizer apenas um… Gosto muito de José Saramago, Patrick Süskind, George Orwell, entre tantos outros, e de livros como «Ano da Morte de Ricardo Reis», «Memorial do Convento», «Perfume» ou «1984». Ultimamente li um autor japonês muito interessante, Haruki Murakami, cuja extensa trilogia «1Q84» faz uma referência algo críptica e pós-moderna ao livro de «1984» de Orwell.

Cidade portuguesa de eleição: Porto, sem dúvida!
     
Como começou a paixão pelo clarinete?
Foi por mero acaso… Perto da casa dos meus pais havia uma banda filarmónica, e lá existia uma escola de música. A minha mãe, numa tentativa de me ocupar o tempo livre dos sábados à tarde, inscreveu-me na música, onde já estavam alguns colegas meus da escola primária. Importa referir que não tenho qualquer antecedente musical na família, e que todos os meus irmãos também estudaram música (somos 4 ao todo, eu sou o mais velho, e tenho mais duas irmãs e um irmão, todos mais novos). No entanto, enquanto para mim a música foi quase amor à primeira vista, mais nenhum dos meus irmãos seguiu esta arte, ou sequer é muito aficionado! Por vezes ouvem alguns dos meus concertos, mas não se pode dizer que sejam grandes frequentadores de música erudita. Por isso eu saí um pouco à margem da inclinação geral da família – costumo dizer que o talento familiar para a música começou e acabou em mim! O clarinete vem um pouco mais tarde. Como tinha “jeito” para o solfejo nem tive hipótese de escolha, simplesmente me puseram no clarinete por ser o instrumento que tradicionalmente tem mais notas para tocar nas obras das filarmónicas, e como, talvez por sorte, revelei aptidão desde cedo para o instrumento, foi tudo muito linear. Resumindo, não foi propriamente uma escolha minha, foi talvez antes o clarinete que me escolheu a mim!...

Logo soube que era enquanto músico que iria abraçar o seu futuro?
Não. Desde cedo gostei muito de música, mas prossegui os meus estudos secundários no sentido de eventualmente ingressar na faculdade de economia. Só mesmo nos dois últimos anos a coisa se começou a inclinar mais para a música. Entretanto, ainda aluno do Conservatório do Porto (antes do curso superior), comecei a ganhar concursos, e fui admitido à Orquestra Portuguesa da Juventude, que era uma espécie de “selecção” de jovens músicos escolhidos a nível nacional. Foi uma das primeiras e mais inesquecíveis experiências que tive, e foi porventura a partir daí que o bichinho de um futuro profissional na área da música se começou a desenhar. Infelizmente a Orquestra Portuguesa da Juventude já não existe, e devo referir que, para grande vergonha do país, Portugal é se calhar o único país da União Europeia que não tem uma orquestra nacional de jovens… Trágico!

Teve sempre o apoio da família?
Sim, felizmente a minha família sempre me apoiou muito nesta minha opção. Houve apenas um momento, quando acabei o 12º ano, em que os meus pais, apesar de aceitarem que eu continuasse a estudar música, preferiam que eu tirasse também, ao mesmo tempo, algum outro curso, como medida de segurança para o futuro. Eu decidi-me exclusivamente pela música, pois já nessa altura estava ciente da dedicação que o curso exigia, e com o meu sucesso logo desde início nesse curso, rapidamente os meus pais aceitaram que havia sido a escolha acertada. Naquela altura havia ainda o cliché que música não era profissão, por isso, de um certo ponto de vista, foi uma opção arriscada!

Com que época e compositor mais se identifica?
Mais uma vez não consigo escolher só um período nem só um compositor… Mas com certeza inclino-me para o ultra-romantismo e neo-classicismo subsequente (transição dos séculos XIX-XX), e quanto a compositores, são tantos, tantos! Mas não posso deixar de referir Mahler, Richard Struass, Stravinsky, Prokofiev, Shostakovich, Ravel, Debussy, Falla, e dos portugueses Freitas Branco, Joly Braga Santos, Frederico de Freitas. Mais recentemente sinto-me muito atraído pelos compositores nórdicos actuais, como Magnus Lindberg, Esa-Pekka Salonen, Anders Hillborg, entre muitos outros que perceberam que o caminho de divórcio entre ouvintes e criadores não era irreversível como fez crer a geração de 1960. É também a estética com que mais me identifico na minha própria actividade de compositor.

Clarinetista, Maestro ou Professor?
Todas essas são apenas múltiplas facetas de uma mesma e única actividade, que é ser músico! E eu considero-me, acima de tudo, músico. Seja como executante, seja dirigindo, seja ensinando às gerações vindouras o métier desta arte, ou mesmo nessa outra vertente que também abraço e que é a composição, acima de tudo pretendo fazer, sempre, música! Em todas as áreas musicais, como artísticas que se querem, devem (ou deveriam!) prevalecer a mestria e o talento musical, e, infelizmente, todos nós sabemos que nem sempre isso é verdade…

Com quem mais gostou de se ter cruzado profissionalmente?
Correndo o risco de me repetir, não posso nomear apenas uma personalidade, correndo o risco de ser extremamente ingrato e injusto! Foi uma sorte ter-me cruzado com alguém da estatura de Jorma Panula, o finlandês conhecido como o “maestro dos maestros”, pois é, como se costuma dizer, a mão escondida por detrás de muitos dos mais reconhecidos maestros na cena internacional actual. Os austeros mas cirúrgicos conselhos que me dirigiu para aperfeiçoar a minha arte de direcção de orquestra, foram como pequenas pérolas que se guardam para sempre. Já me têm servido em diversas situações enquanto maestro profissional! No clarinete o nome de António Saiote é também incontornável, não só pelo que me ensinou, como pela marca que deixa na história da música portuguesa. Na área da composição tenho de referir a generosidade do professor e compositor Fernando Lapa, que me aguçou a curiosidade e vontade de procura criativa.

Um docente que o marcou para sempre?
Pergunta difícil… Mas terei de responder a minha professora primária, D. Maria da Luz, que mais de 30 anos depois de eu ter estudado com ela, me encontrou na rua e quando a abordei, convencido que não se lembrava de mim, me respondeu: «És o Luís e tocavas clarinete»!... Momento impagável da minha existência.

A Arte em Portugal hoje é diferente de há 10 anos?
Muito, especialmente pela qualidade, e felizmente! As gerações mais jovens saem dos seus cursos cada vez mais bem formadas, mas estranhamente, e até em contra-ciclo, é quando mais se desinveste na cultura em geral, e na música em particular. Temos já diversos artistas ao nível do que de melhor há em qualquer parte do mundo, muitos ocupando mesmo lugares de relevo, e, ao invés de aproveitarmos esses cérebros, gastamos dinheiro a formá-los mas acabamos por perdê-los para outros países que ficam apenas com os benefícios do artista já (bem) formado, sem ter despendido os seus próprios recursos na sua formação. Opções incompreensíveis num país que quer evoluir socialmente…

Considera que o Mundo continua distante do que se faz de melhor em Portugal?
Completamente. A posição geográfica periférica de Portugal em relação à Europa pode não ajudar, mas um país como a Finlândia, igualmente periférico e pequeno, soube contornar esse handicap com grande perícia. Em caso de dúvida como se faz, nunca foi vergonha copiar quem faz (fez) bem… E nós portugueses podíamos aprender com esse exemplo!

O que ouve em casa?
Essencialmente música erudita, jazz e música infantil, pois tenho duas filhas de 9 e 6 anos. Mas muitas vezes aprecio o silêncio, mesmo quando viajo de carro, pois a minha vida profissional já é tão preenchida de som/música, que por vezes sinto mesmo necessidade de limpar o cérebro e os ouvidos.

Portugal é um país culturalmente activo?
Seria deprimentemente pessimista dizer que não, mas devolvo a pergunta com uma subtileza: será Portugal um país culturalmente activo o suficiente? Parece-me claramente que não, principalmente do ponto de vista da diversidade, porventura a mais importante das facetas de um país culturalmente activo. Em Portugal persiste ainda uma certa tendência por parte de poder instituído, e vinda de tempos antigos de memória pouco feliz, de se promover artistas de regime. É como ir às corridas de cavalos e apostar sempre na mesma parelha! A História global já provou insistentemente que esta não costuma ser boa prática, mas cá por terras lusas por vezes parece que ainda vivemos noutros tempos…

O que falhou?
Comecemos pelo que funcionou – o ensino! É dos livros que um país se desenvolve proporcionalmente à evolução do ensino, e no caso da música, que nos diz mais directamente respeito, o investimento no ensino da música nos últimos 25 anos foi uma pedrada no charco, que se consubstanciou num brutal aumento não só do número de músicos, mas, e principalmente, da sua qualidade. Esse investimento não foi depois secundado por uma aposta igualmente consciente no mercado de trabalho nesta área. Isso provocou a presente crise, em que a falta de oportunidades tem levado a uma sangria dos nosso melhores valores para o estrangeiro, ou então a sua diluição constante no ensino, com muito poucas oportunidades de apresentarem o seu valor em concertos.

E o que tem resultado?
O ensino. Nunca houve tantos jovens músicos portugueses a ganhar concursos nacionais e internacionais, e a integrar orquestras de jovens e profissionais um pouco por todo o mundo. Deveria ser um abre-olhos para os nossos políticos, mas, ao contrário, até parecem contentes por não ter de se preocupar com mais esses…

A Arte é considerada prioridade em Portugal?
Absolutamente não! O que é altamente frustrante quando pensamos que o português é a quarta ou quinta língua mais falada do mundo. O potencial artístico desta realidade é incomensurável, e é preciso perceber que o que fica de um povo é a cultura, não a economia, por mais que esta seja importante. Criamos uma língua que é falada oficialmente nos 5 continentes, mas não conseguimos exportar os nossos artistas como, mais uma vez, os finlandeses, que conseguem colocar os seus compositores, maestros e solistas por todo o mundo, apesar da sua cultura, que sempre deriva da língua, ser comum a uns meros 5 ou 6 milhões de nativos. Temos muito que aprender ao nível da auto-promoção.

A música erudita continua muito afastada do grande público?
Como já referi anteriormente parece-me que há uma nova tendência de aproximação, não só ao nível da criação (composição), mas mesmo das abordagens dos intérpretes, que estão cada vez mais criativos nas propostas que apresentam ao público em geral. Mais do que a morrer, parece-me que a música erudita está (felizmente) a rejuvenescer.

O reconhecimento dos artistas portugueses no estrangeiro é uma ilusão?
Se retirarmos o fado, e um ou outro caso pontual, sem dúvida. Não há uma estratégia concertada nacional de promoção da arte portuguesa, e continuamos a tentar vender o apenas o país do sol, fado e futebol. É triste…

E em Portugal?
É mais ou menos o mesmo. Há um pouco mais de circulação, mas não só o mercado é pequeno, como está muito viciado, e as grandes oportunidades estão quase exclusivamente reservadas a artistas internacionais (uma forma de importação, e portanto de aumento do deficit público, não sei como as mentes economistas iluminadas ainda não perceberam isto…), ou então a uns quantos (poucos) eleitos portugueses. Não defendo com isto uma espécie de provincianismo bacoco, mas se recebemos, e ainda bem, artistas estrangeiros, deveríamos também promover a internacionalização dos nossos artistas nacionais.

Considera que a pressão para a originalidade encaminhe vários artistas à mediocridade?
A originalidade é um conceito muito dúbio. Bach não precisou ser muito original para ser uma dos maiores compositores de todos os tempos; limitou-se a ser quase perfeito em todas as formas que já existiam e que ele abordava. A originalidade orienta-se muitas vezes apenas para o invólucro, enquanto na minha opinião é o conteúdo que deve ser mais nutrido.

Quantos álbuns gravou? Onde podem ser encontrados?
Quer como clarinetista, maestro ou compositor, apareço em quase duas dezenas de CD’s, em etiquetas como CASA DA MÚSICA, NUMÉRICA, AFINAUDIO e PUBLIC ART. A maioria pode ser obtida através de compra online pesquisando pelo nome das etiquetas.

Quais os seus próximos projectos?
Tenho uma série de concertos em Maio e Junho com a Camarata Nov’Arte, um ensemble que eu próprio fundei em 2011 no Porto, e de que sou director artístico e musical. Estrearei a minha nova orquestração da «Sinfonia nº10» de Mahler, para grande ensemble, no âmbito do Festival Internacional de Música de Paços de Brandão, e mais para diante vou aparecer também em concertos Promenade no Coliseu do Porto.



Tem um suporte on-line onde os nossos leitores possam acompanhar a sua carreira? 

www.luiscarvalho.com






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