De que forma viver e
estudar em França influenciou a sua carreira?
Estudar em França influenciou todo o meu
futuro. Tendo partido aos 18 anos, encontrava-me suficientemente verde e fresco
para assimilar tudo o que me fosse transmitido. Tive então a possibilidade de
estudar com dois dos maiores mestres do clarinete de todos os tempos, Guy
Depluis e Jacques Lancelot. Por 10 francos assistia todas as semanas aos
concertos da Orquestra de Paris, no Palais des Congrès. E porque vivi na cidade
universitária (Cité Universitaire de Paris), que na altura era frequentada por
alguns dos mais competentes cidadãos dos vários países, abria a perspectiva de
um conhecimento global e profundo sobre várias matérias.
Apaixonou-se de
imediato pelo clarinete? Como tudo começou?
A paixão do clarinete surgiu após o meu
ingresso numa banda. Com três anos de idade já cantava em público, e, portanto
a paixão pela musica já cá estava. Ao entrar para a banda de Loures, pela mão do
meu pai, comecei a aprender música e teoria. Normalmente, nas bandas, os mais
aptos iam para o clarinete, e assim fui. Além disso, tanto o meu avô como o meu
pai tinham ambos sido clarinetistas.
Com que compositor
mais se identifica?
É uma pergunta difícil de responder. Fico
sempre impressionado com Machaut, Palestrine, Monteverdi, Bach, Beethoven,
Mozart, Stravinsky, Debussy. No meu caso, é como ter vários filhos e me
perguntarem de qual gosto mais. A minha paixão pela música é ilimitada em todas
as suas formas.
Esteve mais de uma
década ao lado de Jorge Peixinho no Grupo de Música Contemporânea de Lisboa.
Como foi esta vivência em conjunto?
A primeira palavra que me vem à cabeça é indescritível.
Entrei aos 17 anos e estava a tocar com alguns dos melhores músicos da cena
musical portuguesa da altura. O elemento mais novo tinha mais 20 anos do que
eu. Para além de toda a experiência artística, social e humana, guardo sempre a
melhor memória do Jorge Peixinho por tudo o que me ensinou. Com ele fiz a minha
primeira improvisação, a primeira aula de história da música e a primeira aula
de estética. Jorge Peixinho era uma personalidade que era incapaz de falar de
algo que não tivesse a ver com politica ou com arte. Aliás, para ele, arte e política
no sentido mais nobre, eram indissociaveis. Foi um enriquecimento fabuloso a
todos os níveis.
E como foi com Guy
Deplus e Jacques Lancelot, seus professores em Paris?
Com Guy Deplus e Jacques Lancelot aprendi quase
tudo o que havia a aprender sobre clarinete. Ainda hoje considero Guy Deplus o
maior pedagogo de clarinete, e Jacques Lancelot o melhor clarinetista.
Durante o seu percurso
musical cruzou-se com grandes nomes do panorama musical internacional. Com quem
gostou mais de trabalhar? De quem nunca se esqueceu?
Houve alguns que me marcaram mais do que
outros. Por exemplo, Edita Gruberova, Ricardo Mutti, Sergio Celibidache, Olga
Pratts, Jorge Peixinho e Georges Hurst.
O que acha do escasso
número de obras editadas, publicadas e comercializadas em Portugal nos últimos
anos?
Acho que reflecte o país em que vivemos, e a
atitude dos vários governantes em relação à musica em particular, e à arte em
geral. Hoje, como há 40 anos, só em Portugal um músico é sinónimo de
fora-da-realidade, lírico, flibusteiro, etc. De Espanha para a frente, músico é
um artista.
Qual o seu compositor
português de eleição?
Joly Braga Santos, sem hesitações, embora com
alguma parcialidade. A sua última obra foi dedicada a mim e à Olga Prats. Mas
trata-se, muito provavelmente, do maior sinfonista europeu do séc. XX.
E a obra?
Paraísos Artificiais, de Luís de Freitas
Branco, que tive a oportunidade de dirigir no início do séc. XXI no CCB, com a
terrível 3ª variação incluída.
Portugal é um país
culturalmente activo?
Os artistas portugueses são particularmente
resistentes. Portugal nunca foi culturalmente activo. Basta lembrar que é
sempre dominado por Lisboa, e todas as elites fazem o caminho da capital a do
império, onde se decidem os gostos, os subsídios, e as prebendas.
Como os seus homólogos
da zona euro?
Acabam de me dizer na Universidade de Brasília
que a crise teve um lado positivo: finalmente Portugal pode perceber que a
Europa está de costas voltadas para ele. Pode finalmente assumir a sua vocação
atlântica, num espaço enorme, que vai de um espaço político ibero-americano,
passando pelo espaço cultural latino-americano e terminando na comunidade
lusófona. Nenhum país europeu pode preencher estes 3 requisitos ao mesmo tempo.
É fácil exportar a música
portuguesa no estrangeiro? Igualmente para os seus intérpretes?
Grande parte dos intérpretes conhecidos no
estrangeiro, não é por acaso, residem no estrangeiro, inclusive, sobretudo hoje
em dia que se criou a ideia que só quem vive no estrangeiro é que são
vencedores. Para dar um exemplo, pouca gente me conhece nos centros de decisão,
no entanto, tenho em média uma viagem por mês ao estrangeiro. É preciso igualmente
sublinhar que há uma série de interpretes que são conhecidos, que são apoiados
pelo poder central e pelos media, mas que só são conhecidos no país. E por fim,
existe uma minoria na qual me incluo, que não entram nos joguinhos de poder. Não
me faltam convites para o estrangeiro, o que por alguma razão, o poder central
não reconhece, talvez porque a arte em Portugal só é conhecida quando está ao
serviço do poder.
Acha que os artistas
portugueses, especialmente os músicos eruditos têm o devido suporte e promoção
junto da comunidade portuguesa no estrangeiro, da parte das entidades
governamentais portuguesas?
De maneira nenhuma. Que eu saiba, todo o apoio
da Secretaria de Estado das Comunidades é canalizado para a música popular,
folcrórica, pimba, e tudo o que não seja erudito.
Quais são os seus próximos
projectos?
Continuar vivo.
Esperar que alguém no estrangeiro repare na
enorme qualidade da Orquestra da Esmae, porque pelo que disse atrás, o poder
central e local vai continuar a ignorar a realidade. É impossível num país como
Portugal, uma escola como o Politécnico, num país dominado pelas universidades,
ainda por cima no Porto, haver uma orquestra que muito provavelmente está nas
10 melhores do mundo no seu nível etário. Continuar o meu trabalho de pedagogo
e de solista, por todo o mundo, e honrando Beethoven, que não referenciei
atrás, “contribuir através da arte para elevar os homens, porque a arte só se
completa na sua dimensão humanística”.
Tem um suporte on-line
onde os leitores possam acompanhar a sua carreira?
WebSite: www.saiote.com
Youtube: www.youtube.com/user/davidsaiote
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