Nome: Anne Victorino d’Almeida
Disco: Sonatas e Partitas de Bach pela Viktoria Mullova.
Livro: “Symphonie Pastorale” de André Gide
Cidade: Lisboa
Nasceu em França, partiu, e voltou mais tarde para continuar os seus
estudos musicais. Porque escolheu voltar?
Como qualquer jovem estudante, quis partir conhecer o mundo exterior,
conhecer a realidade fora de Portugal. Nesse tempo, não havia grandes opções de
cursos superiores em Portugal, algo que, entretanto, mudou para melhor. Fui,
aliás, um pouco às cegas, sem saber para que escola iria nem quem seria o
professor. Entretanto, a vida pregou-me partidas, e regressei um ano depois.
Com a minha filha Mariana, hoje a mais velha de três, já 15 anos.
Como descobriu o violino? Como tudo começou?
Não sei como descobri o violino. Contam-me que me comovia e chorava emocionada quando ouvia o seu som.
Mas o meu instrumento de eleição sempre foi (e ainda é) o piano. Sei e
lembro-me que passei a minha infância a ver o meu pai a trabalhar ao piano em
Viena da Áustria. A estudar e a compôr. A passar integralmente as horas do seu
dia mergulhado nas suas ideias, e a ver as suas obras a ganharem forma.
Lembro-me de achar essa maneira de estar com a vida maravilhosa, e de o imitar
sempre que arranjasse alguns minutos para lhe roubar o lugar ao piano.
Infelizmente, a minha avó faleceu em Lisboa quando tinha 4 anos, e fomos para
Portugal passar umas semanas com o meu avô ; semanas que se prolongaram por
anos e décadas. Entretanto o piano ficou em Viena, e ao assistir a um concerto
da Filarmónica de Viena pela televisão, lembro-me de pedir se poderia aprender
a tocar violino, já que o piano não vivia mais connosco. Tinha 6 anos. O piano
chegou de Viena 2 anos depois, altura em que percebemos que não voltaríamos
mais, mas já não fui capaz de abandonar o violino.
Pode-se
afirmar que António Victorino d'Almeida, seu pai, é a sua maior inspiração no
meio musical?
Acredito que sim. Afinal tudo começou por uma criança tentando imitar o
pai. Como, para além da admiração, tinha algum talento na área, foi ganhando
forma : à minha maneira.
Qual foi a sua reacção quando lhe disse que era na musica que gostaria
de construir o seu futuro?
O meu pai não ficou inicialmente muito entusiasmado com a ideia de
seguir música. Achava que iria perder parte da minha infância e poderia não ser
feliz assim. Contrariamente a qualquer expectativa, quem me deu o maior apoio
nos primeiros anos foi a minha mãe, que não tem qualquer formação musical. A
verdade é que, para além de estudar com paixão, brincava com a música.
Divertia-me a fazer gravações, a escrever peças que dava aos meus colegas para
tocarem. A música sempre foi o meu dia-a-dia. Não me lembro de viver sem a
companhia dos sons. Pouco a pouco, fui convencendo o meu pai de que afinal, era
a sério e a partir daí, senti o seu apoio incondicional. Mas já tinha perto de
14 ou 15 anos.
Com que época e compositor mais se identifica?
Bach. Sem dúvida. Apesar de não me identificar especialmente pelo
barroco. Época : final do sec. XIX, início sec. XX.
Musica de câmara ou a solo?
Música de câmara.
O que acha do escasso numero de obras editadas, publicadas e
comercializadas em Portugal nos ultimos anos?
Não termos tido as obras portuguesas editadas durante tantos anos é como
se nunca tivéssemos tido acesso ao Eça senão nos manuscritos. Parece absurdo. A
literatura portuguesa teve o privilégio de ser editada, mas a música não. É uma
arte que parece não merecer credibilidade aos olhos de quem governa. Talvez nem
saibam que a música se escreve e deva ser editada em partitura ?...
A AVA tem realizado um excelente trabalho em prol da edição musical em
Portugal. Reconhece-lhe o mérito?
A AvA foi criada por verdadeiros amantes da música portuguesa, e tenho
um sério receio pela sua continuidade. A editora não tem qualquer apoio apesar
de representar a maioria esmagadora dos compositores portugueses, desde Joly
Braga-Santos, Freitas Branco, Lopes-Graça, Frederico de Freitas, António
Victorino d’Almeida, Sérgio Azevedo, entre outros… A Secretaria de Estado da
Cultura entende que não deve apoiar o projecto. A Sociedade Portuguesa de
Autores parece não ajudar os autores como se esperaria, e a falta de apoio dessas
duas entidades pode colocar a AvA em risco. Actualmente, a AvA sobrevive porque os seus criadores investem nela e
nas mais de 1050 obras já editadas. Mas é uma situação que não poderá ser
suportada por muito mais tempo.
Porque o resto do Mundo continua tão distante dos compositores
portugueses?
A música, não estando editada, não existe. As orquestras recusam-se a
tocar por manuscritos há muito tempo. É evidente que desde a criação da AvA, a
música passou a espalhar-se pelo mundo fora, e com enorme sucesso, é importante
que se diga ! As encomendas e alugueres das partituras da AvA aumentaram muito
nestes últimos anos. É evidente que, se a editora tivesse mais apoios, seria
possível acelerar a edição de mais partituras e investir mais na qualidade que,
apesar de tudo, considero excelente.
Os novos intérpretes procuram-na?
Com imenso orgulho, sim. E é, de facto, uma das minhas grandes alegrias
: compor sabendo quem irá tocar cada nota que escrevo. Como também sou
instrumentista e os conheço, chego a imaginar as suas expressões a tocar
determinadas passagens. É muito inspirador.
O que mais a inspira quando compõe?
Escrevo todos os dias como se fosse um diário. É algo que me traz saúde
mental, que me permite desabafar e mergulhar num universo só meu, esteja
inspirada ou não. Muitas vezes, apenas escrevo um ou outro compasso sem o
harmonizar sequer, ou pequenos esboços que podem nem chegar a ser aproveitados.
Na realidade, a música dos outros inspira-me muito na maioria dos casos. Estou
sempre atenta à música que não conheço, e quando descubro algo de novo que me
chame a atenção, tendo em pensar no assunto, e desenvolver à minha maneira.
Lembro-me de ficar encantada com uma célula rítmica ou qualquer efeito tímbrico
e desejar urgentemente ter acesso a um pentagrama para poder juntar ideias que
se acumulavam de modo a criar algo de meu.
Qual o seu compositor português de eleição?
Seria suspeito responder António Victorino d’Almeida que é, penso que
muito objectivamente, aquele que considero um dos maiores compositores
portugueses. Por isso, respondo Joly Braga-Santos, seu professor. Um mestre na
orquestração. É um fenómeno abrir as suas partituras e depararmo-nos com tantas
explosões de criatividade. Para mim, a
música deve ser bela, e a música do Joly é, acima de tudo, incrivelmente bela.
E a obra?
Obra portuguesa de eleição ? Quarta Sinfonia de Joly Braga-Santos.
O que ouve em casa?
Não sei responder. Não tenho por hábito ouvir música como som de fundo.
Pelo contrário. Por mais curioso que pareça, a música não é, para mim, boa
companhia. Não oiço música apenas « porque sim ». Prefiro o silêncio. Não
consigo, aliás, descansar a ouvir música. Quando a oiço – e são muitas as vezes
– é por procurar algo, por querer ouvir determinada obra ou compositor, procurando sempre
descobrir qualquer mestria de orquestração ou composição, e reflectir depois
sobre o assunto. A música é consequentemente uma investigação constante, e nem
sempre me agrada que assim o seja… Quem me dera conseguir adormecer
pacificamente a ouvir uma sinfonia de Mahler !
Portugal é um pais culturalmente activo?
Gostava tanto de responder que sim. Existem figuras no meio cultural
muito activas. Existe um público muito generoso. Existem projectos
interessantíssimos um pouco por todo o lado. Mas há uma enorme falta de apoios
à cultura, contrariamente a outros países que, pelo contrário, apostam na
cultura e na educação dos jovens nesse sentido. Educação e cultura deveriam
caminhar sempre no mesmo sentido.
O que tem falhado nas politicas culturais em Portugal?
Tudo. Não há investimento. Acho lamentável os canais televisivos
dedicarem tão pouco da sua programação à cultura. Estupidifica-se o espectador
com programas intelectualmente obscenos. Os jornais dedicam um pequeno artigo,
lá no fim da penúltima página, muito de vez em quando, acerca de um ou outro
evento. Quem não estiver directamente ligado à arte não tem como aceder facilmente
a ela. Investe-se em mega eventos. Mas
nem tudo deve ser mega. Deve existir o grupo de câmara. O recital. O concerto didáctico. Pois afinal, são esses
pequenos eventos que se aproximam mais do público. Não existir qualquer apoio
nesse sector, é matar a cultura por mais mega evento que se faça uma ou duas
vezes por ano.
Porque é que a musica erudita continua tão afastada do grande publico?
Pelos motivos que referi acima. Falhas consecutivas nas políticas
culturais.
Considera o mercado cultural francês acessivel aos artistas portugueses?
Perfeitamente. Temos artistas extraordinários. Devo dizer que são muitos
os meus colegas de curso que estão a fazer grandes carreiras, nomeadamente em
França. Sempre tivémos grandes artistas em Portugal, mas o número de grandes
músicos subiu muito nesses últimos 15 anos. Possivelmente graças, em parte, às
escolas profissionais e na aposta num ensino de qualidade que querem extinguir
hoje em dia. Mas esse é outro assunto ainda. Outro fracasso cultural que
vivemos em Portugal.
Faz parte de um dos grupos de musica de câmara mais conceituados de
Portugal, o Quarteto Lopes-Graça. Pode-nos falar um pouco deste projecto?
É, sem dúvida, um dos grandes projectos da minha vida. A música de
câmara costuma ser a grande ambição de um músico, pois permite tocar a solo em
conjunto. O Quarteto Lopes-Graça tem dedicado a maior parte de si na divulgação
da obra portuguesa para essa formação, e estreias de peças acabadas de « sair
do formo ». Assim sendo, estamos constantemente a descobrir repertório ainda
desconhecido. É maravilhoso, são desafios muito interessantes. Felizmente, o
QLG começa a ganhar renome também no estrangeiro, fizémos uma longa tournée no
Brasil em Janeiro que correu muitíssimo bem, na Oficina da Música em Curitiba a
convite do Maestro Osvaldo Ferreira, e posteriormente em Brasília e Sorocaba,
por isso acredito e desejo que o grupo esteja ainda numa fase inicial da sua
existência.
Quais os seus proximos projectos?
Espero lançar-me brevemente mais a sério na banda sonora
cinematográfica. Existe um projecto ainda em fase embrionária, mas é algo que
desejo muito investir. Já tive a ocasião de fazer algumas músicas de teatro,
documentários e curtas-metragens, e é um trabalho que me apaixona totalmente.
Algo agendado em territorio francês?
Quem me dera… tocar no país onde nasci.
Tem um suporte on-line onde os nossos leitores possam acompanhar a sua
carreira?
Tenho um
blog. http://annevictorinodalmeida.blogspot.pt/ para além da minha página Anne
Victorino d’Almeida – compositora no Facebook.
Comentários
Enviar um comentário