Nome:
Carlos
Pereira.
Disco
preferido:
Não
sou propriamente especialista de um determinado tipo de música.
Neste preciso momento tenho à minha frente um álbum de Jorge Palma, outro
de Luís Portugal (adorei os Jafumega!!!) e um outro de Carmem
Souza. A tocar – trabalho sempre a ouvir música – está Tracy
Chapman (Collection). Eu sei, é antigo, mas continuo a gostar. E
espero que me inspire para esta entrevista.
Escritor
ou livro preferido:
Digamos
que cada vez leio menos. Profissionalmente escrevo tanto que...
E o
que leio tem, em geral, uma relação qualquer com as Comunidades Portuguesas.
No entanto, acabei de ler “Défense d’aimer” de Florent
Gonçalves, e espero começar em breve o último livro de José Rodrigues dos Santos, editado em França. E sim, confesso, passo a vida a ler revistas e jornais (por vezes da concorrência,
mas chut!).
Cidade
portuguesa de eleição:
Murça
(é uma vila, eu sei!). Sou um transmontano incondicional. Mas tenho
Paris no coração. Já viajei pela Europa toda, mas Paris tem um
charme particular. Não acham?
Há
quanto tempo está em França?
Cheguei
a França a 7 de setembro, há exatamente 29 anos.
Porque
decidiu emigrar? Porquê França?
Eu
era o “menino bonito” da aldeia, bom aluno, educado – como se
diria por aqui “le gendre idéal” –, mas não tive notas
suficientes para entrar numa universidade portuguesa. Fiquei
desiludido e senti que a minha família também. Uns amigos
arranjaram-me trabalho em França. Guardava um cão de uma família rica. Os meus pais custaram a acreditar que alguém tivesse
um empregado para guardar um cão, mas é a verdade. Depois entrei na
Universidade de Ciências de Paris, em Jussieu mais propriamente, e tirei um curso de
Física Teórica. As pessoas costumam rir quando digo isto, até
porque nunca exerci... mas sou licenciado em Física!
Como
chegou ao mundo do jornalismo?
Antes
de ser jornalista fui durante 10 anos animador sociocultural,
formador de dirigentes associativos, organizador de intercâmbios
juvenis, e organizei também durante 10 anos o Festival de Teatro Português
em França.
Depois, cansado de pedir subsídios, saí e fui para responsável de marketing e vendas na Marconi França, uma empresa do
grupo Portugal Telecom, até que o grupo decidiu vender o negócio em
França e eu negociei a minha saída para criar o LusoJornal. Até
então escrevia em quase todos os jornais e revistas portuguesas em
França, e participava igualmente em vários programas de rádio. Enquanto amador, claro. Hoje tenho, evidentemente, a carteira profissional de
jornalista.
Porque
abraçou de forma tão apaixonada o tema da emigração?
Depois
de ter passado 10 anos a trabalhar com a Comunidade portuguesa, de
forma profunda, quase 24 horas por dia (porque é sabido que os
animadores socioculturais não têm horário) ou se fica farto, ou
então fica-se tremendamente apaixonado pelo tema. Foi o que
aconteceu comigo. Organizei durante alguns anos encontros/debates com
sociólogos, tendo mesmo textos publicados em revistas de sociologia.
Depois, fui eleito para o Conselho das Comunidades Portuguesas, onde fui Vice-Presidente e Presidente mundial do órgão. Fiquei pelo
Conselho durante 11 anos. Por isso, estou consciente que conheço
este assunto como poucas pessoas o conhecem.
O
LusoJornal é a publicação lusófona mais lida em França. Como
explica este fenómeno?
O
segredo – se há segredo – está em dois princípios bem simples:
primeiro falamos daquilo que conhecemos, e fazemo-lo seriamente.
Segundo, numa época em que toda a gente se “globaliza”, nós
escolhemos fazer o percurso inverso e ir cada vez mais para um jornal
de proximidade. Falamos das pessoas. Os nossos leitores reconhecem
aqueles que aparecem nas nossas fotografias. Falamos deles! Isso só
podia dar resultados... E deu! Estamos – modéstia à parte – na
boa via, desde o primeiro dia. Devemos ter actualmente cerca de 40.000
leitores por semana, o que é... estrondoso!!! Mas é também uma
responsabilidade muito grande.
Um
nome de referência do mundo da emigração?
Manuela
Aguiar é certamente a mulher mais conhecida nas Comunidades. Também
é uma referência para mim, sobretudo pela dedicação a esta causa.
Mas apetecia-me citar aqui nomes que ninguém conhece, pessoas que
vieram para França praticamente a pé e que criaram verdadeiros
impérios, com uma característica muito particular: trabalham,
trabalham e trabalham... e são sérios! Eu admiro esta gente.
Porque
Portugal continua tão distante da comunidade emigrante?
Portugal
não conhece as Comunidades. Acredito que ainda hoje é “tabu”
falar de emigração em Portugal. Mas não creio que seja por maldade.
Penso que é por ignorância. Gozam quando damos umas calinadas em
português, mas esquecem-se que sabemos falar duas línguas à
vontade e isso, para mim, é uma riqueza. Gozam quando alguém diz
que vai de “vacanças”, mas depois vão para a televisão falar
nas “swaps”... só pode ser ignorância, não é?
Paralelo
aos outros países europeus?
Nenhum
outro país europeu tem tantos emigrantes fora do país, como
Portugal. Mas os gregos respeitam muito mais os seus emigrantes, por
exemplo. Estes sabem que os emigrantes podem ser uma força para o país. Até a
própria França, que elege 22 Deputados pelos círculos da emigração.
Portugal elege 4. Isto diz tudo.
O
que falhou?
Falhou
tudo. Não há nada! Os Governos não dão importância à emigração,
o Parlamento também não. Os Partidos não ligam às Comunidades,
sejamos francos. Os media não falam de nós, ignoram-nos. Como que se 5
milhões de Portugueses no estrangeiro não fossem notícia... E
depois há uma imagem muito negativa associada aos emigrantes.
Acusam-nos de gostar de música pimba, mas depois é o LusoJornal que
lança uma rubrica semanal sobre música clássica e é o Quim
Barreiros que é convidado para as Queimas das Fitas em Portugal... é preciso argumentar mais alguma coisa?
E
o que tem resultado?
Tem
resultado o trabalho de alguns persistentes. O júri dos Prémios
Amália decidiu atribuir o prémio de divulgação do fado à
rádio Alfa de Paris. De repente, deparo-me com muita gente a perguntar 'que rádio será essa'?
Há um filme que faz mais de 300 mil entradas em
Portugal. De repente aqueles realizadores portugueses, olhando de lado, devem ter perguntado: 'quem é aquele jovem realizador?'.
Há um jogo
entre o Benfica e o PSG, em Paris, e de repente toda a gente constata
que há mais gente a torcer pelo Benfica do que pelo PSG...
Qual
foi a pior medida política tomada para a emigração?
O
encerramento dos postos consulares foi a maior burrice que podiam ter
feito. Desculpem-me ser directo no que digo. Os postos consulares
deviam ser vistos não como meros centros emissores do Cartão do
cidadão, mas como pontas de lança locais para a promoção cultural, promoção da língua portuguesa, apoio ao movimento
associativo e, mais importante, como centros de promoção das
relações económicas entre os dois países.
A balança comercial
poderia evoluir ainda mais no nosso sentido...
E
a melhor?
As presenças consulares têm sido felicitadas. Penso que mandar uma
equipa de terra em terra com uma máquina de recolha de dados
biométricos para fazer Cartões de cidadão e Passaportes, quase a
domicilio, é uma boa ideia.
Nomeie
cinco medidas prioritárias a serem tomadas pelo Governo em prol da
comunidade emigrante.
1.
Seria importante criar um sistema de captação e de canalização do
investimento dos emigrantes para Portugal. Mas isso teria de passar
por uma articulação com as autarquias para que elas identifiquem os
projetos que necessitam de ser apoiados, para manter
empregos no interior do país, desburocratizando o que existe
atualmente.
2. Teria de ser lançado, com urgência, um plano de
aumento dos cursos oficiais de ensino de português no estrangeiro.
Investindo na língua, estaremos a preparar o futuro de Portugal. Os
alunos de hoje serão os dirigentes políticos ou os responsáveis
pelas grandes empresas no estrangeiro, amanhã.
3. Vai ser necessário
articular melhor a Direção Geral dos Assuntos Consulares e das
Comunidades Portuguesas (DGACCP) dando-lhe mais meios para trabalhar
com o movimento associativo e sendo um verdadeiro centro de recursos.
4. Vai ser necessário fazer uma verdadeira reforma consular, dando
mais atribuições aos Consulados, para que possam fazer intervenções
em mais áreas. Isto não é gastar mais dinheiro. Isto é investir
para ganhar mais dinheiro.
5. Vai ser necessário rever completamente
a rede de postos consulares. Não é necessário abrir Consulados,
mas é necessário abrir “Agências Consulares” (eu gosto muito
desta fórmula).
Acha
que a Arte proveniente de Portugal é devidamente divulgada junto da
comunidade emigrante no Mundo?
Não.
Não é divulgada. Mas também por muita culpa de quem faz arte em
Portugal. Ainda me lembro, quando programei o Festival de Teatro
Português em França, alguns encenadores que olhavam para mim lá
de cima, dizendo que o trabalho deles não era para emigrantes.
Depois esbarravam com emigrantes pela frente: o Diretor do Théâtre
de la Ville de Paris é um emigrante, o Diretor do Centquatre, o mais
recente centro de arte contemporânea de Paris, é um português, o
Diretor do Théâtre de Vanves é um português, uma das Diretoras do
Théâtre Sylvie Montfort é uma portuguesa, um dos fundadores do
Printemps de Bourges é um português, o organizador do MaMa, um dos
mais reputados festivais de música em Paris, é Português,...
querem mais exemplos?
E
os artistas portugueses? Acha que têm o devido suporte e a promoção
junto da comunidade portuguesa no estrangeiro, da parte das entidades
governamentais portuguesas?
Na
prática, o Instituto Camões têm-se limitado ao ensino da língua e
à cooperação com os Palops, a Direção Geral das Artes está
quase parada em matéria de apoio à internacionalização.
E
os artistas provenientes da emigração têm o devido espaço em
Portugal?
O
caso “Gaiola Dourada” vem contradizer tudo o que possa ser dito
nesta matéria. Mas o que é verdade é que eu tenho encontrado
dezenas de artistas que andam por aqui e que me dizem que gostavam de
mostrar o seu trabalho em Portugal... e não mostram. Acredite-se ou
não, em Portugal ninguém nos liga.
Com
a recente saída de Ana Nave do Consulado Geral de Paris, a ausência
na Direção Instituto Camões Paris, e a falta de um Adido cultural
na Embaixada de Portugal, qual considera ser os objetivos culturais
que o pais tem com a França? Como explica este comportamento na
capital mundial das artes?
Esta
pergunta já explica tudo. Não há nada! É triste. E este
comportamento não tem explicação. Não pode ter!
O
que acha da nova vaga de emigração?
A
bem dizer, desde que cheguei a França, tenho assistido à chegada de
novos emigrantes portugueses. Isto não tem parado, nem vai parar. Só
espero que não me venham falar dos “jovens licenciados” que,
coitadinhos, são forçados a emigrar. E os outros? Os que não são
jovens, nem licenciados e que têm de sair do país, arrancando as
crianças à escola, trazendo-as para um país que fala outra
língua,... porque raio ninguém fala deles?
Quais
as maiores diferenças entre a vaga da segunda metade do sec XX e a
de agora? E as semelhanças?
Tal
como os primeiros, a maior parte vem à aventura. Tal como os
primeiros, a maior parte vem através das redes da família ou dos
amigos e por isso integra-se mais facilmente. Ao contrário dos
primeiros, que praticamente vieram a pé, hoje vêm de avião, com um
telemóvel no bolso.
Um
conselho para esta nova vaga?
Não
tenham medo da emigração. Enriquece-se muito com a emigração. Nem
tenham qualquer complexo em serem emigrantes. Quanto à Saudade...
ah! A Saudade... há dezenas de voos por dia, entre a França e
Portugal...
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