PAULO FERREIRA, o Tenor português com maior projecção na Europa acusa Portugal de se centrar essencialmente nos 3 F's: FADO, FUTEBOL e FATIMA
Nome: Paulo Ferreira
Profissão: Cantor Lírico
Disco preferido: Maria Joao Pires - Le Voyage Magnifique
Livro preferido: Narciso e Goldmundo, Herman Hesse
Cidade portuguesa de eleição: Porto
O que mudou depois de deixar
Portugal?
Tudo mudou. Comecei uma nova etapa da minha vida. Tudo aquilo com que tinha
sempre sonhado e lutado na minha vida começou a ser a minha realidade no meu dia-a-dia.
Como descobriu o Canto? Como
tudo começou?
O Canto começou bem cedo. Penso que aos 3 anos de idade já trauteava
algumas coisas. Sempre que me lembro de mim recordo-me que Cantar era algo muito
mais do que eu próprio, algo que preenchia a minha vida e dava-me uma
identidade.
Quando decidiu ser músico?
Eu não decidi nada. Penso que se há destino, o meu era este. Estudar música
foi uma consequência de ser um bom aluno nesta disciplina quando andava na
Escola Preparatória. A minha professora de música de então disse-me que eu era
dotado musicalmente. Mas nessa altura, muito francamente não percebia o que
isso queria dizer... só sabia que tinha algum jeito e que essa música me
deixava feliz dentro do meu coração.
Tudo o resto veio sucessivamente
como um processo natural de evolução que se pode chamar de ‘destino’.
Quando contou em casa que
era enquanto músico que queria viver o resto da sua vida, qual foi a reacção da
familia?
Não tiveram propriamente uma reacção, porque na altura estudar música era somente
um escape emocional.
Era comum no meu tempo, depois de se fazer a Escola Preparatória, não continuar
os estudos. [Isto para as famílias de classe média como a minha. ] O nosso
destino era trabalhar. E assim, aos doze
anos fui trabalhar para uma fábrica de sapatos. Por tal, a música era entendida
pelos meus pais como um hobby, e para mim um escape. Nessa altura nunca pensava
que viria a ser o meu futuro... .
Teve sempre a certeza?
Alguma vez hesitou?
Sim, tive sempre a certeza que era uma coisa que me deixava muito feliz e
por isso nunca hesitei.
Com que época e compositor
mais se identifica?
Verismo e Puccini.
Ópera ou Lied?
Ópera.
Quem considera o seu maior alicerce
na sua construção artistica.
O maior alicerce...
Acho que não tive algo que possa destacar. Penso que todos foram importantes
para mim, e todos tiveram a sua época e importância. Tudo muito orgânico, no
tempo certo, e por isso não tenho nenhum “encantamento” especial.
Um nome gostaria de destacar?
Há um professor que no meio disto tudo foi o meu Maior Professor de toda a
vida, o Professor José de Oliveira Lopes. Grande Cantor, grande músico, grande
professor, grande homem e grande amigo. Deixou este mundo há uns meses e com a
sua morte senti a primeira grande perda na minha vida.
O que acha do escasso número
de obras editadas, publicadas e comercializadas em Portugal nos últimos anos?
Acho muito triste para a minha profissão. Mas em Portugal não há ainda a naturalidade
em ser-se “Mùsico” , de se consumir musica, como ao que assisto aqui, no centro
da europa.
Porque o resto do Mundo
continua tão distante dos grandes compositores portugueses?
Porque o nosso país não os divulga. Cabe a nós, portugueses no estrangeiro de
o fazer. Eu tenho feito a minha parte Cantando em Recitais mùsica do meu País. Além
disso, ofereço com regularidade discos aos meus amigos com obras portuguesas e
com intérpretes portugueses.
Qual o seu compositor
português de eleição?
Luís de Freitas Branco.
E a obra?
A sua Sonata para Violoncelo e Piano.
O que ouve no carro?
É conforme os dias... mas quase sempre musica clássica, principalmente
obras para piano ou obras orquestrais.
Considera Portugal um país
culturalmente activo?
Não. Em Portugal faz-se uma produção e vendem-se 2 ou 3 espectáculos. Não se vendem por várias
cidades e vários teatros, e isso não é inteligente. Depois, praticamente tudo o
que se faz de qualidade é em Lisboa, e alguma coisa no Porto. Não há mais país,
não há uma sincronização cultural ou uma rede cultural para que se possa dinamizar
o país e torna-lo activo.
Situação paralela aos outros
países europeus?
Pelo que eu vivencio aqui, no centro da europa, e pelos exemplos que vejo,
fazer cultura não é propriamente tão caro como em Portugal. Aqui a programação
é vendida à exaustão, e isso multiplicado por muitas obras diferentes e muitos
espectáculos acaba por rentabilizar um esforço económico imenso.
Conhecendo a dinâmica
cultural da Alemanha, o que pensa sobre a distância de realidades entre este país
e Portugal?
Bem, não nos podemos esquecer que na Alemanha nasceram alguns dos maiores
compositores de todos os tempos, e que permanecem vivos entre o povo alemão, e pelo
mundo fora [falando só de música!]. Mas em Portugal os grandes compositores
foram completamente esquecidos. Se na Alemanha, numa aldeia, perguntarem quem
foi Beethoven, o senhor mais humilde sabe responder. Em Portugal, se
perguntarem a uma mesma pessoa, ou até com instrução superior quem foi Carlos
Seixas, ninguém ou quase ninguém sabe responder.
O que falhou?
A vontade de levar uma identidade mais longe. A única identidade portuguesa
é a dos 3 F’s, Fado, Futebol e Fátima.
E o que tem resultado?
Esta geração mais nova de músicos que está agora fora de Portugal. Eles
mostram que existe um país chamado Portugal, com um povo com qualidades
imensas, que levam plateias imensas a aplaudir efusivamente, e a querer saber
quem somos e de onde viemos. Por exemplo, confundem-me sempre por italiano, e
quando digo que sou português ficam muito espantados ao perceberem que o nosso país
também tem músicos de excelência.
Acha que a Arte é
considerada prioridade em Portugal?
Não, nada de prioridade. Isto nota-se cada vez mais na programação das
grandes salas, que se torna cada ver menor. Já as pequenas salas... essas
fecham! É uma pena imensa…
Porque é que a música erúdita
continua tão afastada do grande público?
Porque há um estigma. Primeiro porque pensam que é música para “velhos”, e
depois porque até então era de ‘caro’ acesso.
Actualmente, com o trabalho imenso e de qualidade maravilhosa em levar este
género de música às populações, feito na sua maior parte pelos Conservatórios
de Música e Escolas Profissionais, as pessoas acabam por se sensibilizar, apagando
aos poucos os estigmas ao qual esteve sempre ligada.
Considera o mercado cultural
alemão acessível aos artistas portugueses?
Penso que desde que se faça um trabalho honesto, primando por uma grande
qualidade, qualquer mercado estará aberto aos artistas portugueses. Eu tenho
desenvolvido o meu trabalho na Alemanha, Austria e Suiça, e começo a alargar
horizontes. O meu maior segredo é trabalhar com honestidade e ser o melhor
possível não esperando nada de ninguém e tudo de mim próprio. Para já tem
resultado.
Acha que os artistas
portugueses, especialmente os musicos eruditos têm o devido suporte e a
promoção junto da comunidade portuguesa no estrangeiro, da parte das entidades
governamentais portuguesas?
Não. Tem a ver com a identidade do nosso país. Portugal não é um país de
Cultura (pelo menos de uma forte cultura musical como aqui no centro da Europa).
Actualmente eu resido na Áustria e tenho tido todo o apoio da Sra Embaixadora
de Portugal na Áustria, que tem vindo com regularidade aos meus espectáculos, e
que é uma pessoa com imensa
sensibilidade cultural e artística.
O reconhecimento dos
artistas portugueses no estrangeiro é uma ilusão?
Não, de forma alguma. Penso que os artistas portugueses, e não só os
músicos clássicos, são mais rapidamente reconhecidos no estrangeiro do que em
Portugal. Mas sem sombra de dúvida!
E em Portugal?
O nosso país é lento e preguiçoso. Por vezes penso que preferem não saber e
estar de ouvidos e olhos tapados, enquanto os portugueses são reconhecidos em
outros palcos, noutros países.
Considera que a pressão para
a originalidade encaminhe vários artistas à mediocridade?
Sem dúvida, porque o querer fazer muito não significa fazer bem. Penso que
tal como comecei esta entrevista, se formos honestos com o nosso trabalho, nos
nossos sonhos, e quisermos dar o nosso melhor, não haverá então lugar para a
medicocridade.
O que acha da nova geração
de musicos? Alguém a destacar?
Acho brilhante. Há mais oportunidades e o mundo está mais aberto a quem
quiser ter uma oportunidade. Penso que destaco todos aqueles que como eu tiveram
a coragem de deixar o conforto do pais, o colo das famílias e amigos para ir em
busca de um sonho num país distante, com todas as barreiras culturais e
linguísticas, que são sempre difíceis de vencer!
Quantos albuns gravou? Onde
podem ser encontrados?
Gravei recentemente um DVD, de uma das minhas recitas ao vivo, no Teatro de
Innsbruck, da Ópera “La Wally”. Este DVD irá para o mercado em Outono próximo, e
estará à disposição de todos em qualquer discoteca de musica clássica. O DVD
foi gravado para a etiqueta Capriccio.
Quais os seus proximos
projectos?
Acabo de concluir um na Suiça, na minha participação enquanto protagonista
da ópera “Il Trovatore” de Verdi, num festival de Verão, perto de Zurique, que
foi recebido por mais de 17 mil espectadores. Neste momento estou em Innsbruck,
numa nova produção, onde sou igualmente o tenor protagonista na ópera “La forza
del destino” do mesmo compositor. A estreia é já no próximo dia 21 de Setembro.
Algo agendado em territorio
francês? E em Portugal?
Em França estão-se a dar os primeiros passos para umas possíveis produções.
Trabalho a ser realizado entre a minha agência e alguns teatros em França. Em
Portugal, infelizmente, não tenho convites de trabalho.
Tem um suporte on-line onde os
leitores deste blog o possam acompanhar?
Sim, tenho o meu website onde podem encontrar a minha
agenda, criticas, fotos , biografia,vídeos, entre muitas outras coisas:
www.pauloferreiratenor.com
Adorei ler a entrevista! Parabéns aos dois meninos talentosos! ;-) Um abraço forte e muito boa sorte,
ResponderEliminarMarta
Obrigado! Beijinhos Grandes Marta * ** *
Eliminar