Daniel Ribeiro: Sou um humanista e nada nacionalista, mas sou português



Natural De Carrela do Sal, distrito de Viseu, e radicado em Paris desde 1980, Daniel Ribeiro é umas das maiores referências do jornalismo português no estrangeiro. 

 

Como começou a paixão pelo Jornalismo?
Começou na adolescência. Era bom aluno em português, no liceu, gostava de escrever redações. Um dia, ainda muito jovem, li um livro de Graham Greene, acho que se chamava Os comediantes, onde o narrador era um jornalista, correspondente em Beirute. Pensei: gostava de ser isso, correspondente no estrangeiro. E consegui, mas um pouco por acaso. 

Como define o ser português?
O português é um ser humano, como os outros. Tem a particularidade de ter uma língua própria e de se ter lançado nas Descobertas e isso distingue-o bem dos outros. É um povo lutador, como o provou designadamente na emigração.

O Daniel deixou Portugal hà muitos anos. Considera-se ainda um português autêntico?
Sim. Considero-me português e cidadão do mundo. Gosto de viajar, contactar com outros povos, sou aberto a outras culturas. Podemos aprender com toda a gente, podemos até tornar-nos mais humanos no contacto com outros povos, mas sou português, sem dúvida. 

A que se deve tão elevado desejo de emigração por parte dos portugueses?
Está relacionado com as más condições de vida ou com períodos menos felizes da nossa história como no tempo do salazarismo e da guerra colonial.

 Durante estes anos Portugal olhou para os emigrantes? Os diferentes governos? A comunicação social?
Portugal vive uma certa esquizofrenia. Devido ao seu passado, nalguns aspcetos glorioso, e à educação salazarista, meteu na cabeça que os portugueses eram “a raça” que tinha descoberto o mundo. Muitos portugueses foram, ou ainda são, “racistas” com os emigrantes porque ainda vivem nessa quimera e recusam esta faceta de Portugal: a da pobreza e do analfabetismo, que está na origem da saída do país de boa parte dos seus jovens, nos anos 1960/70. No fundo, esses portugueses envergonham-se por Portugal ser visto no mundo como um país de emigração e até acho que os governantes e diplomatas também se envergonham. Portugal, de certo modo, recusa ver-se ao espelho, ou melhor: vê-se ao espelho mas não se vê de forma completa.

Entre os anos 40 e 60 como chegavam, e como viviam os portugueses em França?
Não assisti a essa situação, mas estudei e falei com muita gente dessa época. Viviam em bairros da lata, no fundo tal como hoje muitos outros emigrantes da Síria, do Afeganistão, do Iraque ou de África vivem.

O que ficou por resolver pos 25 de Abril? O que fica por lutar?
Ficou por resolver a igualdade. Temos a liberdade e a democracia, falta a igualdade. Portugal é um país muito desigual, onde as castas dominam em todos os setores da vida. Por exemplo: o que se vê aqui em França, os muitos portugueses que subiram a pulso na vida, seria impossível de acontecer em Portugal. No nosso país se se nasce pobre é muito difícil deixar de sê-lo. A França dá mais oportunidades às pessoas, sem dúvida alguma.
 
 Denota na primeira geração da emigração portuguesa ulceras no caracter, resultantes do fascismo?
O que eu noto e fiz uma extensa reportagem sobre isso é que grande parte dos portugueses de França abraçou a xenofobia e por vezes até é mais radical no seu discurso anti-emigrantes ou anti-muçulmanos que os militantes da Frente Nacional, de Marine le Pen.

 Os portugueses emigrados em França têm consciência politica?
Interessa-lhes pouco a política, interessa-lhes mais o seu sucesso pessoal o que de certa forma se compreende porque conheceram a pobreza extrema, e o que não querem sobretudo é regressar outra vez a essa pobreza. Recorde-se que os portugueses que emigraram há 50/60 anos eram analfabetos, nem sabiam o que era uma casa de banho. Mas, por vezes pensam que não estão a fazer política quando falam contra os árabes – mas estão a fazer e de que maneira!

 Porque o numero de votos é sempre diminuto?
Não acreditam nos políticos nem nas eleições. Tem a ver com razões históricas, ligadas ao seu passado e à realidade política em que nasceram e cresceram em Portugal. Sobre os políticos têm aquele discurso redutor que é o do “são todos iguais, só querem é tacho”. Por vezes até podem ter razão…. mas é errado não lutarem para mudar as coisas.

Em que medida a emigração portuguesa poderà desenvolver um papel determinante para Portugal?
Ajuda Portugal com as remessas. Mas eu acho que a emigração, embora positiva frequentemente em termos individuais para as pessoas, no aspeto da realização financeira, é negativa para Portugal. Basta ir às aldeias do interior do país para constatar – apenas vivem lá pessoas idosas, é a desertificação total. Devido à emigração e também à fraca natalidade, Portugal só está vivo na orla litoral.

 Um português, emigrado durante varias décadas continua a sentir-se estrangeiro em França?
Sim. talvez. Embora a França aceite a integração como poucos outros países – até tem um primeiro-ministro naturalizado! Os portugueses chegaram a França com a ideia do regresso na cabeça. E mantêm-na até ao fim da vida, em boa parte dos casos. É um equívoco: fizeram filhos cá, tem cá netos e mesmo bisnetos… nunca regressarão da forma que pensaram. Fizeram casarões lá que apenas servem na maioria das vezes para um mês de férias…

Uma medida urgente a ser tomada para a emigração?
Não sei. Penso que Portugal deveria era debruçar-se sobre esta questão de fundo: por que razão mesmo a democracia conquistada em 1974 não estancou as vagas migratórias? Como parar a desertificação do interior? Entretanto, poderia tomar uma medida simples como esta: Portugal deveria sempre nomear para embaixadas como a de França, onde vivem centenas de milhares de portugueses, diplomatas e adidos com um perfil especial, mais social e menos sobranceiro do que infelizmente acontece. Os diplomatas portugueses vivem fora do mundo real.

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